sábado, 29 de maio de 2010
insigh
O zero é coisa fundamental.
É aquela hora em que você está sozinho e percebe que não tem mais nada das grandes coisas.
Aí você não tem nada. Está morto. No caos.
Nesses lugares, quando você faz o primeiro tartamudeio é como se o gênese acontecesse de novo. -porque você sai com uma coisa nova e aí tem que dar atenção, não deixar os terremotos te tirarem do seu centro.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Eu gosto de gato. De gato, de criança e de cachorro. Gosto também do céu, da lua e das estrelas. E gosto muito. Não é pouco não. Sabe, porque todos eles prestam atenção em mim. E não de qualquer jeito. É recíproco. Eu sinto eles, eles me sentem. Eu aprendo muito com eles, e acho que eles mudam um pouquinho comigo também. Mesmo os que ficam em silêncio. Mesmo os que fazem muito barulho.
Conversa prá gente grande
...
“As outras escolas que você dá aula tem piscina?”
“Não, nenhuma escola do Estado tem piscina.”
“Que pena. Eu queria nadar numa piscina.”
“Mas Gab, no sesqui tem piscina de graça.
É só pagar uma taxa que dá prá usar o ano todo.”
“Mas meu pai não deixa eu sair sozinho de ônibus. “
Eu queria saber ler logo prá poder pegar ônibus.”
“Então a gente podia ir junto nesse final de semana passar o dia lá.
O que acha?”
“A gente podia se encontrar na frente da escola e aí a dona vai junto com a gente pró sesqui.
A gente pode sair daqui três da manha prá aproveitar o dia todinho.”
“Poxa mas eu tenho que pegar dois ônibus prá chegar aqui.
Depois mais dois prá chegar lá.”
“Mas eu não posso ir nem no terminal...
tem um monte de gente, uma bagunça e eu me perco.”
(pausa para a expressão facial que meu coração não resiste...)
“Está bem. Venho buscá-los de manhã.
Me de seu telefone prá eu combinar com seus avós o esquema e pegar a autorização.”
“Tá professora.
Anota aí: um...”
“Um?
Tem certeza?
Tem numero que começa com um?”
“Tem sim professora.
Vai anotando... um...”
“Tá.”
( –pego uma caneta e um papel.)
“Um...
que mais?”
“Novezero.”
(?)
(risos das crianças)
“É esse mesmo professora.
A dona liga lá na polícia e fala que eu sumi.
E eles me acham e eu te ligo de lá.”
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Caça ás jovens professoras bruxas!
Uai. Porque eu perguntei. Ah! Porque tem um monte de mãe ai falando que você fez macumba na sua aula de ontem.
(reflexão por um segundo)
-Nossa... mas será o Benedito! Agora essa?
Mas dona, fica tranquila que a gente não vai deixar você ir embora não. A gente vai fazer rebelião. REBELIÃO! (Isso já na sala de aula porque o assunto se estendeu até lá) queremos ver a escola funcionar sem aluno!
Esqueci de mensionar que é quintaseries. Não só elas. Antes de entrar na sala as outras turmas -que eu nem dou aula- vieram com essa mesma história.
Até agora ninguém "lá de cima" veio me chamar para uma agradável conversa. Só sei que eles se anteciparam e foram falar com quem tem os poderes de Grayskull para contar a verdade. A verdade ué. só isso. e dizer que são contra qualquer tipode ação contra isso - inclusive queriam outra aula assim.
Talvez seja por isso que ainda não tenham chegado raios e trovões a mim. Meus anjos seguraram todos eles antes. Incrível. Estou ainda compreendendoo que aconteceu.
Mas sabe como me sinto? Até citei para eles na sala, no filme "O nome da Rosa". Vocês se lembram quando os personagens fundamentalistas confundem gato preto e galinha preta com bruxaria? Quando no fundo, a mina e o corcunda iam fazer um rango com os animais. Resultado: Fogueira neles!
Tá. Tudo bem. Idade Média a gente até compreende a cisrcunstância histórica, as determinações, as limitações e tudo o mais.
Mas hoje em dia, onde se discutem o aborto, a legalização da maconha, as nanotecnologias, as células-tronco me condenarem e falarem de "afastamento" porque fiz uma dinamica diferente com minhas crianças?
Palmas e pés descalços é macumba. E o mundo tá do avesso mesmo.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Com alma e ritmo
Mas antes. O clima que circunda não é muito confiável mas nem fiz questão de me preocupar. Minhas duas crianças iluminadas que levaram bronca - mulecagem prá variar - me receberam com aquele sorrisinho de quem fez arte. Depois da bronca, sairam lá fora prá me contar. Ganhei dois presentes. Um abraço de cada. Não queriam ir prá sala, já dizia o Gabi: "- É muito chato estudar". E é mesmo Gabriel, eu disse. Estudar aqui é muito chato mesmo e em qualquer escola pública. Porque iria ser legal? É legal ser obrigado a ficar numa sala quente pequena, sem janela, só com vitrozinhos, duas turbinas de ventilador, com 30 e poucos colegas cheios de energia prá gastar e uma louca tentando coordenar do seu jeito as aulas???
Ainda bem que são lúcidos!
Mas disse que por outro lado o conhecimento é legal. A sensação de descobrir algo que não sabia, poder falar de algo que antes desconhecia, poder se defender de coisas que antes nem sabia que tinha direito! Mas isso é conhecimento, não só informação. Envolve um processo reflexivo, eu disse. E tem que ter calma para isto. Tem que ter respeito, tem que ter cuidado. Tem que ter reciprocidade.
Grande conceito que a cada dia tento ensinar para eles de uma forma diferente. E acho que já estão sacando...
Depois dessa conversa esqueceram que não queriam ir para a sala. E sairam andando.
Fumei meu cigarrinho lá fora como de costume, me embebi da entrevista deliciosa e interminável do Tunzé e peguei um livrinho no estocador de livros para preparar mais ou menos o assunto que geraria a discussão na sala.
Segundo cigarrinho, mais um cafézinho e entrei.
Senti que era hora de falar de História. Mas não apenas da civilização da China e da Índia como estava proposto no livro. Senti que era fundamentar em todos os sentidos a história. E EM TODOS OS SENTIDOS literalmente.
Então resolvi fazer uma bagunça. Mas uma bagunça organizada. Cadeira prálá, cadeira prácá. Pronto. Com uma cadeira no centro da sala, subi e pedi para sentarem em volta de mim. Então joguei minhas sandálias do outro lado. E pedi para fazerem o mesmo. -"Tirem os sapatos. Sintam o chão". Essa foi uma experiencia de uma querida amiga da filosofia das crianças que me deu, que adaptei. -"sintam o chão, o que sentem?"
-"É frio"- disseram eles
-"É sujo"
-"É duro"
E é mesmo, eu disse. Ai já começaram a dispersar. Tum. tum. tum... comecei a bater as mãos devagarzinho. Olhares estranhos. deviam pensar: que dona maluca é essa! Até que um dos aluninhos começou a bater comigo. E todo mundo no mesmo ritmo bateu também.
Parei. Voltou o silêncio. E disse porque estava fazendo aquilo.
-"Estou falando de História quando peço para sentirem o chão. Porque também é terra. É raiz. Mais do que ser frio, sujo e duro é raiz. E raiz é a gente. raíz é da onde a gente veio. raíz é nossa história. E somos o que somos hoje porque os homens no começo se relacionaram. E se relacionaram juntos prá poder aprender a caçar, a falar, a se defender, a fazer música, a fazer arte. E tinha que ser junto. Se não a sociedade não existiria. E todo mundo era igual. Trabalhava prá todo mundo. O bem de um era o bem de todos.
E, meninos e meninas, quando que foi que essa coisa bonita mudou? Quando que foi que a sociedade começou a andar prá tras de novo? Quando o homem começou a querer fazer tudo sozinho prá ele mesmo. Mas isso já faz tempo? Talvez 200 anos. Mas é muito 200 anos? Quantos anos tem a humanidade? uns milhares... hummm... então faz bem pouquinho tempo que a sociedade começou a seguir outro rumo. Em vez de se desenvolver "para melhor" agora a gente tem catástrofe ambiental, enchentes, mortes por fome, violência, desemprego cada vez em ritmo mais acelerado.
...(uma pausa para reflexão)
Por isso que a gente tem que ficar descalço. tem que usar todos os sentidos para poder conhecer e apreender a realidade, a nossa história e a nossa História, que afinal de contas, é a mesma.
A gente não aprende só com os olhos e com o ouvido. É com o tato, com o alfato e com o coração. Tudo junto. Assim como nossos antepassados que passaram por tanta coisa prá gente tá aqui hoje.
E a gente esquece. A gente acha que a gente apareceu sozinho. Que as coisas são assim mesmo.
Por isso que a gente tem que por o pé no chão. Prá não esquecer nossas raízes. Prá não esquecer dos que já passaram e o que devemos a eles. Prá não esquecer que na maior parte do tempo os homens não sabiam o que era egoísmo, mesquinhes e arrogância.
Por isso lembrem-se sempre disso quando colocarem o pé no chão descalças. Porque não é apenas chão."